uma perspectiva crítica sobre a gamejam
por Carla Gabriela Vargas
A GameJam como arapuca do mercado predador
O liberalismo nem sempre é o lobo-mau dentuço, raivoso e escorrendo saliva; boas vezes ele é o lobo em pele de cordeiro. GameJam é um formato importado das gringas, mais precisamente do paraíso colorido das liberdades individuais do capitalismo, os Estados Unidos e é reproduzido mundialmente desde sua criação em 2002. Para surpresa de um total de zero indivíduos, é um formato aliado às lógicas de mercado, ao empreendedorismo, ao networking e outras ferramentas já consagradas dentro do infeliz meio do desenvolvedor independente. Inclusive aqui no Brasil o evento já é consolidado e reproduzido em diversas instâncias, por diversas organizações de pequeno à grande porte.
O lobo do liberalismo se disfarça de cordeiro da memória afetiva, do espírito atlético de competição, do processo criativo da improvisação e da confraternização com amigos para enfiar goela abaixo toda sua doutrinação da maneira mais asquerosa possível. As GameJams alienam a classe trabalhadora do desenvolvimento de jogos (e entusiastas) para uma ode da romantização do capitalismo predatório: celebra-se os deadlines sufocantes, o comportamento de mercado, a demanda do cliente como assassino da vontade de criar, o crunch time; e tudo isso pintado de uma divertida gincana escolar.
Os novos trabalhadores e universitários da área são iludidos com uma proposta de diversão pró-bono e no lugar são colocados na máquina da linha de produção afogada e sufocada. Como se não bastasse, na maioria das vezes, seus jogos nem são jogados e acabam ficando para portfolio, como um prêmio de consolação.
É vendida uma promessa de ludismo (o jogo que faz fazer jogos) e evolução profissional (a experiência adquirida “in loco”).
Mas nem tudo é descartável. Não há motivo para se amassar as memórias afetivas desconstruídas, nem demonizar o espírito competitivo tampouco ignorar o aprendizado do improviso. Também não há o que se criticar no trabalhador/universitário da área querer fazer jogos para seu portfolio. Mas a GameJam e seu formato é a única alternativa? Não existe confraternização e memórias afetivas em outros espaços? Não existe espírito competitivo saudável sem lógica de mercado e verticalização? Seus jogos de jam precisam ficar enclausurados no portfolio, fadados ao não-acesso da cidade?
Por que a GameJam morre em si? Precisamos do liberalismo para que mesmo?
A Marmelada
Visto que é interessante resgatar o que há de positivo numa GameJam, é necessário profanar os anais de sua história. Rasgar em pedaços o liberalismo que invade nossos espaços de afeto e criação; e, no processo, por que não satirizar com o modelo vigente e seus bastiões?
A Marmelada é um evento-performance. Uma paródia de escárnio e toca-foda-se com a GameJam, os triplo A, o empreendedorismo gueimer e das sujas instituições da grande mídia que reforçam e fortalecem o liberalismo. Afinal, para emancipar o independente do sequestro do capital, é preciso uns escarros na cara!
O evento começa: cria-se uma temática para os jogos propostos e faz-se a convocação de equipes e na criação de seus nomes. Criadas as equipes que representam o caráter paródico de EMPRESAS, se faz um sorteio para definir a EMPRESA que desenvolverá o “Game of the Year” e as demais EMPRESAS que desenvolvem os “flopados”. A palhaçada já começa agora: os lugares do pódio já estão pré-definidos, é uma MARMELADA que só!
O desafio propõe-se da interpretação da EMPRESA sobre o que é ser um Game of the Year inserido no tema proposto da Marmelada em questão, bem como na potência dos desenvolvedores das EMPRESAS que desenvolvem o jogo “flopado”, de perderem com gosto e com honra. Nada é perdido! Está presente a diversão, a confraternização, o processo criativo, a competitividade capazes de criarem memórias afetivas e até portifolio.
Para agraciar o bolo com sua cereja, ao final do evento faz-se uma performance cheia de capricho: a premiação melada. A premiação melada conta com juízes caricaturados das grandes personalidades do mundo gueimer, onde o novo improviso é feito e as gargalhadas são rasgadas. Pode até brigar, só não vale beliscar o amiguinho!
No fim, a competição é ampla e avaliação é dissolvida em aspectos estéticos e funcionais do que se propõe os papéis dados e preenchidos pelos envolvidos. E todos vivem infelizes para sempre!
O Formato
Apesar das particularidades, uma Marmelada é um formato diverso, porém não é frouxo! É importante lembrar sempre do caráter anti-capitalista para que esteja presente e não vire uma nova festa cedida pelo liberalismo.
No mais, sugere-se prazos mais alargados ou tempos dissolvidos em vários encontros. Nada de emular crunch time! É interessante sugerir um tempo que ou seja maior ou, para tempos “mais afogados”, sugerir um segundo ou até terceiro tempo. Jogos não concluídos ainda são jogos: a cooperação é estimulada, vale e deve ajudar o amiguinho a terminar seu jogo.O jogo que serve a cidade: os jogos da Marmelada, bem como assets e codes não utilizados serão postados em uma biblioteca de acesso aberto (contribuição espontânea), para que sirvam à comunidade e estimulem o sucesso coletivo acima do sucesso individual. A biblioteca também poderá ser usada no próprio Marmelada para os participantes, bem como para curadoria da Fliperamosfera.
Fliperamosfera: http://menosplaystation.blogspot.com/2018/11/fliperamosfera.html